sábado, outubro 28, 2006

Dickens e Clark Kent


A criação de fantasmas só é própria dos insatisfeitos. A criação de mundos paralelos, delirios prováveis, passados alternativos e futuros inviáveis é o terreno de quem não está satisfeito com o mundo á volta, com a realidade tocável, com o passado recordável e com o vislumbrável futuro. Afinal, quem está satisfeito não quer mudar nada, no maximo esforça-se para manter tudo o maximo de tempo possivel, e esforça-se por assegurar que o passado será recordado com o maximo de saudosismo possivel, o dia de hoje como os bons velhos tempos de amanhã.
Tudo palavretas e construções frásicas de gosto duvidoso para dizer uma coisa: estar satisfeito é ser de Direita. Eu sou de Esquerda, por isso lastimo-me.

Sempre me deu bastante prazer pensar o passado, mas sempre com um twist. Voltar a um sitio qualquer específico e revivê-lo, mas da forma como gostava que tivesse sido. Faço-o todos os dias, ritualmente por vezes e é sempre brutal. Basicamente, uma data de "e ses" todos juntos á molhada, num esforço colossal para me fazer feliz durante 15 minutos. O resultado é quase sempre positivo, e já à muito que o momento em que "acordo prá vida" deixou de ser doloroso- aprendi a assumir a fantasia como parte integrante da realidade, e não como escape à mesma. È mais fácil assim.

A parte mais útil destes jogos é escrutinar o seu método: Ok, posso mudar o passado, mas mudaria-o a partir de quando? Na preparatória? No secundário? Ontem? E fá-lo-ia com a consciência do presente ou apagaria tudo o que tinha aprendido desde então e começaria de novo? Assim não iria cometer os mesmos erros?
Outra das "técnicas" recorrentes é materializar-me no passado e ter uma conversinha comigo mesmo. Novas questões de método: quais os limites do que lhe poderia contar? Limitar-me a uma ou outra dica? Apresentar-lhe o quadro todo e dar-lhe The Power of Knowledge, mas roubar-lhe a Magic of Discovery?

Talvez as "fantasias do passado" mais estranhas e, talvez, psicanaliticamente mais interessantes são aquelas em que, do nada, me cresce uma espada nas mãos e acabo a matar montes de "evildoers" á frente de toda a gente. Uma primeira leitura é bastante óbvia, o síndrome Clark Kent, o gajo que passa despercebido de dia mas que por baixo da máscara esconde o herói. Uma segunda leitura já nos levaria para outros campos curiosos do simbolismo, nomeadamente o recorrente uso da espada, mas isso é entre mim e Freud.

É mais fácil viver a realidade se a vivermos na companhia do Fantasma do Futuro, que nos diz que nada é impossivel, logo é perfeitamente possivel ganhar a lotaria ou encontrar uma poção mágica que nos enche de sorte/carisma/inteligência/knowhow. Já o Fantasma do Passado é bem mais severo connosco, pois este obriga-nos a meditar sobre aquilo em nós que fazemos tanta questão de mudar. O Fantasma do Passado, nas suas continuas viagens ao que já passou, faz-nos crescer.
Works with me.

E vós mancebos, têem fantasmas ao vosso serviço, para os momentos de monganço?
Aguardo os comments...

*óleo: www.annekaringlass.com

8 comentários:

KrystalNight disse...

Considero-me uma eterna insatisfeita por questões mais culturais que pessoais. Toda a gente tem tudo mas falta sempre algo, que apesar de não ser essencial à existência é essencial ao espírito. Mais por saudosismo que por outra coisa não gosto das recordações do passado. Se forem más o motivo é obvio, se forem boas haverá sempre o peso esmagador do presente que nos afasta irremediavelmente e para sempre desse passado feliz. Ao voltar novamente ao presente e ver que aquele passado não volta mais é pior do que não pensar de todo nisso. Por isso prefiro a estratégia da avestruz e enterrar a cabeça para não enfrentar a realidade embora inevitavelmente as recordações voltem sempre. Como tal, tudo o que seja fisico e me remeta para o passado é eliminado... longe da vista longe do coração. Não vejo, não recordo logo não fico deprimida.
Se podesses voltar ao passado e ter uma conversinha contigo mesmo não seria o passado porque o presente estaria lá representado pelo teu eu actual. O futuro também não pode existir pelo mesmo motivo e todas as hipóteses se desvanecem à medida que avanças no presente e efectivamente há sempre "ses" que nunca vão acontecer (tu por exemplo nunca vais crescer).

O único verdadeiro fantasma que te resta é então a tua propria imaginação, os "ses", em suma TU próprio. O teu poder de evocar o passado e planear o futuro nunca saindo da dimensão do presente que esmagadoramente se abate sobre ti sem que nada possas fazer para o alterar.

kadgi disse...

Indeed. A parte boa de viver "fantasias consciêntes" é estar sempre em controle. Assim ya, tenho sempre a noção de que todas as hipoteses e fantasias são um espelho do que quero agora, logo um espelho do presente- o eu no passado n sou eu no passado, n passa duma personagem... e lol, é fdd!
Supostamente nos sonhos nós somos todas as personagens...Same thing aplies, i guess...

Quando a recusar a presença fisica do passado como forma de o escapar, supostamente funciona muito bem, n é? Eu sou incapaz de o fazer, mas com mil diabos, i shall try!
Miguel Pan ( o outro gajo q nunca cresce)

KrystalNight disse...

Eu tento recusar o passado mas como é obvio não o consigo fazer e agora eu diria "Ah se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas..." conseguiria obliviar o passado e talvez ser feliz...

kadgi disse...

nem acredito que usaste a palavra "obliviar".
Lol, viver para sempre só faria com que tivesses toda uma eternidade para esquecer.

KrystalNight disse...

Como estragar um comentário profundo em meia duzia de palavras! Odeio-te ainda mais que ontem!!!

kadgi disse...

É uma arte milenar. Um dia ensino-te, com tempo...

Anónimo disse...

Eu nao comento porque o kadgi ia estragar o meu comentario.

Viva! :D

kadgi disse...

comment tipico duma gaja com muito pouco tempo! Ibsen Rules!!