domingo, janeiro 28, 2007

sábado, janeiro 27, 2007

Quando coisas boas acontecem a pessoas más

"Ou coisas más a pessoas boas ou coisas boas a pessoas más

Há pessoas que por natureza são boas. São pessoas que dedicam a sua vida a causas, que agem a favor dos outros, que são altruístas, simpáticas, despretenciosas, isentas. São pessoas que acreditam no amor e na amizade, nas coisas boas da vida, que valorizam o nascer do sol, o canto dos pássaros pela manhã, o riso de uma criança, a beleza de uma flor.

Em suma, são aquelas pessoas que nos fazem vomitar todos os dias de manhã enquanto pensamos que se algum dia a bomba atómica fosse lançada em mais alguém, simplesmente teria de ser neste tipo de gente. Chateiam-nos o juízo com obras de caridade, insistindo que deveríamos tomar acção em algo deste género; vão para os supermercados fazer peditórios num domingo de manhã, quando o comum mortal está a dormir; na véspera de natal vão servir comida aos sem-abrigo numa esquina qualquer perto de si, de preferência entre os ratos e as ratazanas da zona; choram que nem umas desalmadas quando vêem filmes lamechas, espalhando por toda a gente que o Titanic é o melhor filme de sempre (coitadinho daquele pobre rapaz que morreu congelado mirradinho que nem uma ervilha descongelada, com a mão esticadinha para o alto qual estátua da liberdade para salvar aquela outra que no final, lança um colar caríssimo ao oceano) e que se ganhassem o Euro Milhões metade do dinheiro seria doado às criancinhas do Kambodja que sofrem de espondilite anquilosante.

Depois existem as pessoas más. Muito mais divertidas por natureza. Toda a gente sabe que, as pessoas boazinhas não se conseguem rir de piadas, pois estão em permanente estado de agonia por preocupação com as supra-citadas criancinhas e outras mais … a lista é infindável. De facto, por estarem tanto tempo em tormentos mentais até já nem conseguem gargalhar (dar uma gargalhada) por atrofia dos músculos faciais, mantendo contudo o grau de estiramento muscular básico para sorrir, visto precisarem de o fazer para os socialmente desfavorecidos que ficam muito mais reconfortados com um sorriso que com um pratinho de sopa. Aliás, só os maus conseguem alcançar o grau máximo de desenvolvimento muscular facial, denotado nas gargalhadas francas e abertas dos vilões que ecoam na nossa mente para sempre – o típico mwahahahahahahahaha.

As pessoas más não têm limites: podem caminhar pela floresta livre e despreocupadamente sem receios (o capuchinho vermelho não podia e vejam só o que lhe aconteceu), podem cozinhar os fedelhos que decidem comer a nossa casa de chocolate (Hansel e Gretel), podem arranjar milhões de piadas para gozar com aves desajeitadas e bastardas (como o patinho feio), podem-se picar onde quiserem sem ter de dormir durante 1000 anos à espera de um abusador que chegará num cavalo e apesar de não tratarmos da nossa higiene há centenas de anos, ainda nos beija e só pára por aí porque acordamos, podem expulsar do exército um soldado que perdeu a perna e só faz é atrapalhar os outros colegas que têm de carregar o mastronço que inda por cima é de chumbo (o soldadinho de chumbo) e podem mandar bugiar a pobre e mal agradecida, que não tem dinheiro para comprar um relógio, nem sequer a decência de perguntar que horas são e consegue-se atrasar e ainda perder um dos sapatos que lhe foram confiados, fazendo-se depois de difícil, “ah e tal não quero calçar o sapato”, e obrigando o pobre do príncipe a andar à procura dela por todo o reino (a gata borralheira). As pessoas más podem atormentar as crianças com filmes tão macabros quanto Alice no País das Maravilhas. Se alguém encontra alguma maravilha em se perder, encolher, ficar gigante, ir parar a um país onde a rainha de copas manda decapitar os seus súbditos que vivem num clima tão terrífico têm de se pintar de vermelho, onde existe um gato maluco que só mostra os dentes, um coelho alucinado que foge com a chave e está sempre atrasado, uma lagarta que fuma cigarros estranhíssimos em cima de cogumelos, um gajo que diz que é um ovo, vive numa casca e está sempre em cima de um muro, se, repito, alguém acha alguma maravilha nestes eventos, deverá se dirigir à Avenida do Brasil onde uma enorme equipa de pessoal especializado a aguarda, com um coletezinho todo catita, cuja única desvantagem é restringir um pouco o movimento corporal da cabeça para baixo, mas vejam a coisa pelo lado positivo podem-se movimentar em cima de cágados gigantes imaginários, ter conversas com as imensas vozes amigas, dedicar a vossa vida a reproduzir os feitos de Jack, o estripador e alegar inimputabilidade e contar ninhos de vacas – a constelação de Andrómeda é o limite da vossa imaginação, ou isso ou as paredes acolchoadas do vosso novo quarto.

Ora bem, isto tudo para dizer que, às vezes, acontecem coisas boas ou más a pessoas boas, às vezes, acontecem coisas más a pessoas más, é tudo lamentável e terrível, pois claro que sim. Giro, giro é quando acontecem coisas boas a pessoas más. Acontecerem coisas más a pessoas boas também tem a sua piada, contudo convenhamos, aquela pessoa irá se desculpar, dizendo que a culpa foi totalmente dela, que está a pagar pelos seus pecados, que não foi uma pessoa boa o suficiente e aquela tragédia toda que lhe poderá acontecer será submersa num misto de desculpas e mar de lágrimas e perderá todo o seu efeito trágico-cómico."


Isto é só um ensaio, gostaria que lessem e que me dessem ideias para continuar a escrever. A ideia base é esta, relatar quando acontecem coisas boas a pessoas más. Aquilo que me levanta problemas neste momento é saber se crio ou não personagens que se mantêm, se vou criando personagens para diferentes situações, se continuo em modo dissertação and so on... Desde já obrigada pela ajuda, coisinhas, coisinhas... internem o kadgi.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

NÃO ABORTEM! ABANDONEM...

(Cintia)

A sério, levantem o rabinho, vão votar...

segunda-feira, janeiro 15, 2007

SIM, ou O Bolo de Banana

A aldeia estava em tumulto. Os foguetes estalam por todo o lado, os jovens sujam as ruas com fitas de papel e asneiras, a festa está a caminho do auge. A cozinha da Junta de Freguesia pululava: atarefadissimas, as mulheres bailam à cotovelada, com alguidares na mão, aventais à cintura e lenços de todas as cores na cabeça. D.Ana, acompanhada do seu séquito habitual de cozinheiras desejosas de aprender, ata o seu lenço azul bem firme, sobe para cima de uma cadeira pois nunca fora muito alta(genes, dizem) e manda toda a gente parar. E elas páram.
- Minhas queridas, só um minutinho... Os cachopos já andam doidos e o Sr.Presidente já mandou perguntar: O bolo tem que estar pronto até às 6, ou tá tudo estragado. Quem é que ficou de trazer as azeitonas?
- Ana, eu pensei numa coisa que se calhar... se calhar era bom.- As cabecinhas às cores voltam-se todas para D.Olivia, a melhor cozinheira da aldeia, aquela que cria as receitas e as ensina a quem queira aprender. Chega-se à frente e pôe-se ao lado da cadeira do poder. D.Ana olha para baixo, surpreendida até à nausea com a audácia ou talvez só com as vertigens.
- Meninas, pra este ano eu tive uma ideia diferente. – Lá fora rebenta um foguete bem alto e as senhoras dão pulinhos de susto; D.Ana luta para manter o equilíbrio. – Fui à cidade esta semana e aprendi um bolo que queria pôr na mesa grande, este ano.
- Na mesa grande?- alguém exclama, mais que pergunta.
- Sim, na mesa, com o Bolo de Azeitona. Assim em vez de um, temos dois, um de azeitona, outro de banana!– D.Olívia prossegue, sugerindo centros de mesa e um doce de uva maravilhoso que vai fazer os miúdos repetir cinco vezes... Enquanto fala não repara que a sala ainda está noutro filme.

***
- Bolo de Banana?? Mas a banana vem de onde?
- Não tou a ver qual é o mal da azeitona, carago!
- Ai o meu Hermínio já apanhou uma borratxeira de Licor de Banana que... olhe, eu nem quero falar disso!...
- Mas praqué que há de haver dois bolos, mas isto agora é tempo de fartura ou quê?
- Ela há quem não goste do Bolo de Azeitona, Palmira.- responde Olívia.- O meu neto não pode vê-lo nem pintado!
-Eu por acaso também não gosto muito...
- Cala-te lá, oh Zenaide!- Ana está furiosa e desce finalmente da cadeira. – Oh Olívia, mas o que é que te deu, mulher? Banana? Essa porcaria nem sequer é de cá! Se querem Bolos de Banana, que vão comprar lá fora! Aqui só se faz coisas daqui, já desde o Antigamente!...
- Mas a receita é minha, eu peguei na receita lá de fora e mudei aquilo, que como tava não era grande coisa... Quem comprar a de lá de fora o mais certo é comer bosta, que aquilo não é nada!
-Não comprassem!!- grita Ana prontamente e, diga-se, demasiado alto. O silêncio, conjugado com o barulho de lá de fora, é constrangedor. À janela surgem dois miúdos, que perguntam quando é que há bolo. A D.Amélia corre-os com uma vassoura enquanto Olívia prossegue.
- O outro ano sobrou bolo que ainda deu pra uma semana, o meu cão chegou a comer um bocado, também... Como a Palmira há muito boa gente aí que prefere antes comer o feno do burro que cagar mais daquilo!
A sala começa a ficar animada: umas riem do delírio, outras discutem entre si sobre o bolo sagrado, outras aproveitam para discutir sobre outros assuntos que tinham ficado pendentes, como a qualidade do porco que D.Célia ofereceu à Teresa do café, que deu as piores alheiras de que há memória. Olívia começa a ficar confiante com o caos.
- Fazemos um Bolo de Azeitona como é costume e um de banana pra variar, quem não gosta de um, come o outro! Como é que é?
È neste momento que Ana desce da cadeira. Olha para Olívia com má cara, vira-se para o grupinho que parece apoiar a novidade com cara ainda pior e sai da sala batendo a porta, não sem antes dizer, em tom dramático: «É tradição.»
E o ambiente gela.

***
-Eu não percebo porquê este sarilho todo, fazemos um bolo pra uns e outro pra outros, que é que dizem?- Fernanda, que sempre fora boa rapariga mas assim para o espigadota, decide intervir e as suas 3 amigas da mesma idade ficam orgulhosas. Olívia mete-lhe o braço por cima do ombro e diz: «Vamos lá então!» A resposta é ambígua e Claudia, a mais nova e amississima do padre, benze-se sem razão aparente.
- Pronto, já sei como se vai fazer!- diz Fernanda, confiante. As amigas estão ainda mais orgulhosas.- Vamos a votação! Vamos votar pra ver o que é e o que não é.
Olívia não está nada por aí, mas acaba por aceder. Afinal, a noite está a cair e aqueles pasteis de bacalhau não se fazem sozinhos. Então agora escolhe-se entre agradar a todos e agradar à maioria? Nem se gastava assim tanto a mais, ficáva quase à conta e toda a gente saia contente! Isto da Democracia tinha sido giro é quando se elegeu o Presidente da Junta... Enquanto a cozinheira divaga para si própria, as multidões começam a mobilizar-se: 9 pessoas inteiras preparadas para darem o seu contributo para aquela que será a festa do ano.
-Vamos lá, gente! Toca a calar que isto agora vai ser sério!- Fernanda está em chamas.
Lá fora, o ambiente acalmou, pois é chegada a hora da reunião dos jovens na casa do Severino e a festa tem um descanço enquanto se discute quem mais merece ser mergulhado em penas e banha este ano (as hipóteses do Claudio do Talho estavam muito pela rua da amargura, parece) . Esse silêncio fez o barulho dos passos no corredor ainda mais sentidos, pelo que já toda a gente estava a olhar para a porta quando D.Ana, o Presidente da Junta e mais cinco homens irrompem pela sala, como se fosse chegada a hora de o crime perecer!
-Ora o que é que se passa aqui??- proclama mais que exclama a voz de bagaço do Sr.Presidente.- Ouvi dizer que aqui já não se gosta de azeitona! Aqui os meus amigos da Associação dos Amigos da Azeitona não estão a perceber porque é que este é o ano de matar a tradição!
-Oh Sr.Presidente, não é nada disso!- defende-se Olívia, para ser rapidamente interrompida pelo discurso exaltado do grande homem da aldeia.
- Oh Olívia, não me vai agora interromper! A azeitona é a glória desta bela localidade, o azeite aqui não é gordura mas sim sumo! Já o meu pai e o pai do seu pai, (tudo grandes homens) viveram e morreram a dar a todos nós a luz nas candeias, o molho nas cebolas, os alívios nas portas velhas, o..... – enquanto o discurso continuava, algumas das senhoras abandonam a sala, porque estas questões são sempre chatas e não vá o diabo tecê-las... As primeiras a sair são as amigas da Fernanda que, apática, nem repara a ausência delas. As palavras inflamadas e pomposas fazem sono até a Ana, que só desperta quando ouve a palavra “Não”. D.Olívia, já sem muita paciência e muito pouco motivada, refere a hipótese de Fernanda e a coisa encaminha-se por aí, com toda a gente na sala a participar com gosto numa nova diversão, votaçõeszinhas a brincar entre a cozinha e o salão...

***
A noite foi fantástica, mais uma vez. D.Ana está muito entretida junto ao Presidente seu marido, que gaba a qualidade do seu vinho e a sua vontade de trabalhar a 5 jovens que fingem estar interessados; D.Olívia está só e ocupada na cozinha, pois o molho da carne queimou e alguém tem de fazer tudo outra vez; Fernanda partilha o celeiro com Artur, o que deu muito sarilho para os 9 meses que se seguiram. As mesas, recheadissimas com iguarias sedentas de sangue diabético, espalham-se pela sala num padrão banal. Em destaque, mesmo ao meio, reina sozinho o Bolo de Azeitona, iguaria esplêndida e, acima de tudo, local. Os largos espaços em branco deixados na mesa foram sabiamente preenchidos por rebuçados e gomas, para gáudio dos míudos que brincam aos berros pela salão apinhado.

sábado, janeiro 06, 2007

Vamos todos atentar no bedelho!

Sendo a nossa língua tão rica em ideologias, silogismos (não faço a mínima o que é isto mas pareceu que soava bem e dá-me um certo nível cultural que não tenho) e expressões coloquiais decidi atentar (mais uma palavra estúpida) numa expressão particularmente feliz, tão incompreendida mas tão usada.

Quem de nós não foi já bafejado por essa expressão tão tipicamente portuguesa "Não metas o bedelho onde não és chamado!"?! Ora eu até gostaria de deixar o meu bedelho de fora se eu soubesse o que é um bedelho.

Atentemos na expressão 'bedelho'. Segundo o dicionário KingHost:
BEDELHO - s.m. Tranqueta, ferrolho de porta. / Criança, fedelho. / Trunfo pequeno (no jogo). // Meter o bedelho, intrometer-se onde não foi chamado.
Ora vejamos o que podemos então depreender desta explicação:
(1) Não metas a tranqueta ou o ferrolho da porta onde não és chamado! Pois claro que não faz sentido, pois se eu pusesse a tranqueta onde não era chamada, não conseguiria lá chegar visto que a perderia e isso não me interessaria, visto que eu quero estar onde sou chamada (penso eu de que).

(2) Não metas a criança ou o fedelho onde não és chamado. Ora se eu própria não quero estar onde não sou chamada porque carga de água haveria de lá querer meter o fedelho??? Está certo que ele pode ser muito chato mas mesmo assim ninguém merece estar onde não é chamado, que me parece começar a ser um lugar muito mau visto que ninguém quer estar lá e até os fedelhos não merecem semelhante castigo.

(3) Não metas o trunfo pequeno (no jogo) onde não és chamado. Aqui reforça-se a ideia que 'onde não és chamado' deve ser mesmo algo a evitar a todo o custo. Um trunfo pequeno é assim uma espécie de ralé dos trunfos, um Sócrates dos portugueses, um Bush do mundo, um Baco dos deuses, uma lentilha das leguminosas, um intervalo de publicidade, publicidade na caixa do correio, a pastilha que se cola ao nosso sapato, bosta de cão que pisamos, a TVI na nossa grelha de programação enfim you get it ( a TVI estar ao pé da bosta não foi coincidência).

(4) Não te intrometas onde não foste chamado. Resta-nos é claro a opção mais óbvia, mais portuguesa. Agora sim conseguimos imaginar um nosso compatriota a mandar o outro bugiar (again o que será isto?), dar um giro, dar de frosques, ir cagar pra dar peidos (isto já conseguimos visualizar) ... em suma ir meter o bedelho nesse sítio tão mau que só pode ser enunciado como 'onde não és chamado'.

Resta a questão inicial de o que será o bedelho e porque é que eu o tenho de não o meter onde não é chamado. Sendo assim onde meterei eu o meu bedelho? A quem o confiarei? Quem zelará por ele? Será o bedelho uma parte corporal física ou puramente imaginária? Pois bem, novamente todas estas questões me inquietam, a mim e ao meu bedelho que eu insisto em meter onde não é chamado. E se eu o meto onde não é chamado, será que há pessoas que chamam pelo meu bedelho (os chamadores de bedelho, em englixo bedelho-callers)? Que curso é que estas pessoas tiram e onde? Será preciso um doutoramento? Se alguém souber por favor diga, desprezem o senso comum e por favor metam o bedelho!

Ai doutor, que me doi!

O natal foi um bocado chato porque apanhei um princípio de pneumonia. O ano novo foi uma merda porque ainda o estava a curar. E vocês pensam "aaai coitada..." e eu penso: "aaah e tal, isto não pode piorar muito...". Mas pode. E piora, acreditem. Se tiverem uma crise de falta de ar que vos obrigue a ir às urgências do Santa Maria no primeiro dia do ano e se ainda por cima tiverem que ir com o vosso pai que vos põe ainda mais nervosos... piora. Muito.


Mas passou-se. Umas recomendações para aqui, um "se calhar isso é asma" para ali, uma indicação para marcar consulta de alergologia, uma receita de um corticosteroide e umas largas horas mais tarde estava fora do Hospital.

Ora vai daí que, surpresa das surpresas, a falta de ar não passou. Sendo eu portuguesa (especialmente depois de ter tentado a via normal) obviamente que recorri à cunha. Mas, caros amigos, este país está tão mal que já nem com cunhas se anda pá frente. Combinei com um doutor amigo de uma doutora amiga da minha mãe (reparem a cadeia de conhecimentos tão característica dessa prática comum que é a cunha) Às 9 na entrada das urgências do Santa Maria, para ele me ver e dizer o que achava. Ás 8:30 estava lá. Memorizem este número, porque é bastante importante para o que se segue. Passam-se as 9, passam-se as 9:15, as 09:30... e lá para as 9:45 eu comecei a achar que o sotôr estava um bocado atrasado e que era um pouco estranho ninguém ter vindo falar comigo. Como me desenrasco razoavelmente bem em hospitais, demorei pouco para encontrar o paradeiro dele (cerca de uma hora e meia a andar de serviço em serviço). Vai daí que me dizem que o doutor está numa operação e que vai demorar um bocadinho, mas que se eu quiser posso esperar por ele, que ele me ia ver depois. E eu esperei... e esperei... e esperei. Duas horas da tarde e eu continuava à espera, em jejum porque podia ser preciso fazer exames ou analises ou qualquer coisa. Desisti, almocei e tomei os medicamentos. E continuei à espera, as senhoras sempre a dizerem que estava quase, e que quem já tinha esperado 5 horas também esperava mais duas e mais uma e mais duas... Chegamos Às 18:30 e a operação finalmente acaba. Obviamente que as secretárias me poderiam ter dito que o médico estava a fazer uma operação aos intestinos e tinha-me ido embora às 11 da manha, mas isso não lhes pareceu lógico, por alguma razão que o meu limitado intelecto desconhece.

Ponham-se no lugar do senhor, como eu fiz: depois de uma operação de 10 horas, sem comer ou descansar, apetecia-vos olhar pá cara de uma rapariga que tinha "falta de ar"? E ponham-se no meu lugar depois de saberem que eu me tinha posto no lugar dele: Tinham lata para o ir chatear e exigir que vos visse?
Pois. Eu também não tive. Então ele encaminhou-me para uma amiga nas urgências que me disse para ir tirar um raioX ao tórax que estava normal. Então fui encaminhada para uma colega da amiga do doutor que é amigo da doutora amiga da minha mãe que também é minha amiga. E foi aí que começou a melhor parte. Peço-vos que se ponham mais uma vez na minha posição: estou no Santa Maria há pelo menos 11 horas, estive 10 horas à espera sem necessidade nenhuma e não estava a ver o doutor que me tinha sido recomendado, estava a ver a colega da amiga do doutor que me tinha sido recomendado e tinha dores no peito e falta de ar em momentos estúpidos. Digamos que calma e tranquilidade eram difíceis de manter, mas eu até estava a conseguir. Ora a primeira coisa que ela me pergunta foi " è filha de medica, não é?". Diz que isso é pior que ser doente, ser filha de médica… Há Satã, Hitler, o Pinto da Costa e os filhos de médicos vêm logo a seguir na escala de pessoas odiáveis e a abater. Enfim... Eu tentei explicar-lhe que já não era exactamente filha de médica, porque a minha mãe tinha morrido há 4 anos (é sempre complicado, porque eu continuo a ser filha da minha mãe, mas a minha mãe já não é medica, ou pelo menos já não exerce. Mas será que por uma pessoa morrer deixa de ser aquilo que foi a maior parte da vida? Se um médico desempregado não deixa de ser médico, porque é que um medico morto há-de deixar de o ser? Até porque nos referimos a ele como “medico morto”, só este facto não poderá significar que um medico morto continua a ser um médico?). Depois de ler esta pequena reflexão sobre o assunto, compreendem que esta questão seja estranha e que por isso eu tenha dito “ugh… pois, sou, quer dizer, era, a minha mãe morreu há 4 anos”. E foi então que a doutora, com uma voz calma e com ar de quem percebe completamente o que se esta a passar simplesmente disse: "Compreendo". E pronto. Depois disto eu já sabia qual era o meu rumo... A pobre órfã abandonada no segundo ano da faculdade, ansiando pela atenção que a mãe lhe dava quando estava doente... É obvio que a única saída para uma pessoa assim era a psiquiatria e uma receita de anti-depressivos. "Sabe o que se passa... é que eu acho que as pessoas que a viram até agora tiveram receio de lhe dizer que isso pode ser só ansiedade". E eu expliquei-lhe que só me doía o peito quando me deitava completamente na horizontal e que melhorava quando me inclinava um bocado e que a falta de ar vinha quando falava muito ou fazia algum esforço físico. E ela continuava a compreender e continuava a dizer-me que não me estava a acusar de nada e que a ansiedade era uma coisa perfeitamente normal. E eu continuava a dizer-lhe que não me fazia diferença que fosse ansiedade, que só queria dormir e que a falta de ar me passasse. E ela continuava a compreender, obviamente. Mesmo depois de eu lhe dizer que a colega dela tinha dito que eu podia ter asma (depois de ver um exame à função respiratória que eu fiz) e depois de ler o exame completamente (para além da primeira frase que dizia "(...)dentro da normalidade(...)") e de descobrir que esse mesmo exame também dizia "(...)revela sensibilidade já considerável a (...)" e de mudar de expressão por uns segundos depois de ler isso, nada a demoveu do seu diagnóstico. "Afinal, a mãe dela morreu, tem que ser maluca ou pelo menos extremamente perturbada!"

E pronto, aqui estou eu, 12 horas e tal depois, com a mesma falta de ar, a mesma dor no peito, a mesma tosse e uma indicação para a consulta de psiquiatria que diz que eu revelo sintomas de “falta de ar” e dores no peito dos quais as causas não são reveladas no raioX ao tórax. As aspas aqui são mesmo citação, ela realmente pôs “falta de ar” no papel. Eu não quero estar doente, mas isto é no mínimo um bocado frustrante…



Não percam o próximo episódio, porque nós também não!

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Ano Novo, tudo igual.

A verdade é que as coisas não mudam muito, nem antes nem depois da meia noite.