segunda-feira, janeiro 15, 2007

SIM, ou O Bolo de Banana

A aldeia estava em tumulto. Os foguetes estalam por todo o lado, os jovens sujam as ruas com fitas de papel e asneiras, a festa está a caminho do auge. A cozinha da Junta de Freguesia pululava: atarefadissimas, as mulheres bailam à cotovelada, com alguidares na mão, aventais à cintura e lenços de todas as cores na cabeça. D.Ana, acompanhada do seu séquito habitual de cozinheiras desejosas de aprender, ata o seu lenço azul bem firme, sobe para cima de uma cadeira pois nunca fora muito alta(genes, dizem) e manda toda a gente parar. E elas páram.
- Minhas queridas, só um minutinho... Os cachopos já andam doidos e o Sr.Presidente já mandou perguntar: O bolo tem que estar pronto até às 6, ou tá tudo estragado. Quem é que ficou de trazer as azeitonas?
- Ana, eu pensei numa coisa que se calhar... se calhar era bom.- As cabecinhas às cores voltam-se todas para D.Olivia, a melhor cozinheira da aldeia, aquela que cria as receitas e as ensina a quem queira aprender. Chega-se à frente e pôe-se ao lado da cadeira do poder. D.Ana olha para baixo, surpreendida até à nausea com a audácia ou talvez só com as vertigens.
- Meninas, pra este ano eu tive uma ideia diferente. – Lá fora rebenta um foguete bem alto e as senhoras dão pulinhos de susto; D.Ana luta para manter o equilíbrio. – Fui à cidade esta semana e aprendi um bolo que queria pôr na mesa grande, este ano.
- Na mesa grande?- alguém exclama, mais que pergunta.
- Sim, na mesa, com o Bolo de Azeitona. Assim em vez de um, temos dois, um de azeitona, outro de banana!– D.Olívia prossegue, sugerindo centros de mesa e um doce de uva maravilhoso que vai fazer os miúdos repetir cinco vezes... Enquanto fala não repara que a sala ainda está noutro filme.

***
- Bolo de Banana?? Mas a banana vem de onde?
- Não tou a ver qual é o mal da azeitona, carago!
- Ai o meu Hermínio já apanhou uma borratxeira de Licor de Banana que... olhe, eu nem quero falar disso!...
- Mas praqué que há de haver dois bolos, mas isto agora é tempo de fartura ou quê?
- Ela há quem não goste do Bolo de Azeitona, Palmira.- responde Olívia.- O meu neto não pode vê-lo nem pintado!
-Eu por acaso também não gosto muito...
- Cala-te lá, oh Zenaide!- Ana está furiosa e desce finalmente da cadeira. – Oh Olívia, mas o que é que te deu, mulher? Banana? Essa porcaria nem sequer é de cá! Se querem Bolos de Banana, que vão comprar lá fora! Aqui só se faz coisas daqui, já desde o Antigamente!...
- Mas a receita é minha, eu peguei na receita lá de fora e mudei aquilo, que como tava não era grande coisa... Quem comprar a de lá de fora o mais certo é comer bosta, que aquilo não é nada!
-Não comprassem!!- grita Ana prontamente e, diga-se, demasiado alto. O silêncio, conjugado com o barulho de lá de fora, é constrangedor. À janela surgem dois miúdos, que perguntam quando é que há bolo. A D.Amélia corre-os com uma vassoura enquanto Olívia prossegue.
- O outro ano sobrou bolo que ainda deu pra uma semana, o meu cão chegou a comer um bocado, também... Como a Palmira há muito boa gente aí que prefere antes comer o feno do burro que cagar mais daquilo!
A sala começa a ficar animada: umas riem do delírio, outras discutem entre si sobre o bolo sagrado, outras aproveitam para discutir sobre outros assuntos que tinham ficado pendentes, como a qualidade do porco que D.Célia ofereceu à Teresa do café, que deu as piores alheiras de que há memória. Olívia começa a ficar confiante com o caos.
- Fazemos um Bolo de Azeitona como é costume e um de banana pra variar, quem não gosta de um, come o outro! Como é que é?
È neste momento que Ana desce da cadeira. Olha para Olívia com má cara, vira-se para o grupinho que parece apoiar a novidade com cara ainda pior e sai da sala batendo a porta, não sem antes dizer, em tom dramático: «É tradição.»
E o ambiente gela.

***
-Eu não percebo porquê este sarilho todo, fazemos um bolo pra uns e outro pra outros, que é que dizem?- Fernanda, que sempre fora boa rapariga mas assim para o espigadota, decide intervir e as suas 3 amigas da mesma idade ficam orgulhosas. Olívia mete-lhe o braço por cima do ombro e diz: «Vamos lá então!» A resposta é ambígua e Claudia, a mais nova e amississima do padre, benze-se sem razão aparente.
- Pronto, já sei como se vai fazer!- diz Fernanda, confiante. As amigas estão ainda mais orgulhosas.- Vamos a votação! Vamos votar pra ver o que é e o que não é.
Olívia não está nada por aí, mas acaba por aceder. Afinal, a noite está a cair e aqueles pasteis de bacalhau não se fazem sozinhos. Então agora escolhe-se entre agradar a todos e agradar à maioria? Nem se gastava assim tanto a mais, ficáva quase à conta e toda a gente saia contente! Isto da Democracia tinha sido giro é quando se elegeu o Presidente da Junta... Enquanto a cozinheira divaga para si própria, as multidões começam a mobilizar-se: 9 pessoas inteiras preparadas para darem o seu contributo para aquela que será a festa do ano.
-Vamos lá, gente! Toca a calar que isto agora vai ser sério!- Fernanda está em chamas.
Lá fora, o ambiente acalmou, pois é chegada a hora da reunião dos jovens na casa do Severino e a festa tem um descanço enquanto se discute quem mais merece ser mergulhado em penas e banha este ano (as hipóteses do Claudio do Talho estavam muito pela rua da amargura, parece) . Esse silêncio fez o barulho dos passos no corredor ainda mais sentidos, pelo que já toda a gente estava a olhar para a porta quando D.Ana, o Presidente da Junta e mais cinco homens irrompem pela sala, como se fosse chegada a hora de o crime perecer!
-Ora o que é que se passa aqui??- proclama mais que exclama a voz de bagaço do Sr.Presidente.- Ouvi dizer que aqui já não se gosta de azeitona! Aqui os meus amigos da Associação dos Amigos da Azeitona não estão a perceber porque é que este é o ano de matar a tradição!
-Oh Sr.Presidente, não é nada disso!- defende-se Olívia, para ser rapidamente interrompida pelo discurso exaltado do grande homem da aldeia.
- Oh Olívia, não me vai agora interromper! A azeitona é a glória desta bela localidade, o azeite aqui não é gordura mas sim sumo! Já o meu pai e o pai do seu pai, (tudo grandes homens) viveram e morreram a dar a todos nós a luz nas candeias, o molho nas cebolas, os alívios nas portas velhas, o..... – enquanto o discurso continuava, algumas das senhoras abandonam a sala, porque estas questões são sempre chatas e não vá o diabo tecê-las... As primeiras a sair são as amigas da Fernanda que, apática, nem repara a ausência delas. As palavras inflamadas e pomposas fazem sono até a Ana, que só desperta quando ouve a palavra “Não”. D.Olívia, já sem muita paciência e muito pouco motivada, refere a hipótese de Fernanda e a coisa encaminha-se por aí, com toda a gente na sala a participar com gosto numa nova diversão, votaçõeszinhas a brincar entre a cozinha e o salão...

***
A noite foi fantástica, mais uma vez. D.Ana está muito entretida junto ao Presidente seu marido, que gaba a qualidade do seu vinho e a sua vontade de trabalhar a 5 jovens que fingem estar interessados; D.Olívia está só e ocupada na cozinha, pois o molho da carne queimou e alguém tem de fazer tudo outra vez; Fernanda partilha o celeiro com Artur, o que deu muito sarilho para os 9 meses que se seguiram. As mesas, recheadissimas com iguarias sedentas de sangue diabético, espalham-se pela sala num padrão banal. Em destaque, mesmo ao meio, reina sozinho o Bolo de Azeitona, iguaria esplêndida e, acima de tudo, local. Os largos espaços em branco deixados na mesa foram sabiamente preenchidos por rebuçados e gomas, para gáudio dos míudos que brincam aos berros pela salão apinhado.

17 comentários:

KrystalNight disse...

Também nunca vi a palavra "explêndida" mas again quem acha que o plural de qualquer é quaisqueres...
Anyway mais uma excelente alegoria para o submissão da vontade própria ao pensamento alheio... temos pena e também de quem deixa outras pessoas passar a frente nas filas da FNAC e não diz nada com a desculpa de ah e tal eu sou da paz vivo bem assim. Lol whatever kadgi deixa a "mádame" passar ela de certeza k quando te vir estendidinho no chão te vai dar uma mãozinha, é tão civilizada nas filas...

kadgi disse...

Lol, kristal, anda lá à porrada por mais 30 segundos na fila.

Caraças, nausia é muito mau. A parte pior é que voltei atrás na palavra porque "não me estava a soar bem"... Medo.

kadgi disse...

Pronto, já está melhorzinho... Quer dizer...hum.......

kadgi disse...

Btw, apaguei o ultimo post porque era Spam. Já temos lixo no nosso blog, o futuro reserva-nos grandes coisas!!

KrystalNight disse...

Epa pelo meu relogio foram mais uns 5 ou 10 mins axo k todos sabemos k nguem compra bilhetes em 30 segundos

kadgi disse...

Com certeza.

Anónimo disse...

Eu tb deixo as pessoas passar. Sou estúpidamente "da paz".

:P

Só pa ti, Kadgi: ?!

kadgi disse...

lol, mas será que só ela me entende?

KrystalNight disse...

Epa uma coisa é ser da paz outra coisa é ser estupido. Reclamar o lugar que me é assistido por direito não é deixar de ser da paz é ser violado.

kadgi disse...

Epah, lol Kristal. Chill, isso faz rugas...

KrystalNight disse...

Cada um usa a desculpa que mais lhe convem, na boa.

kadgi disse...

Sim cristal, foram os piores 40 segundos da minha vida...

kadgi disse...

Lol, tás mesmo a pedir um post

KrystalNight disse...

eu consigo-te irritar não consigo kadgi? e diz a verdade pk os meninos maus não recebem prendas de natal

kadgi disse...

Não há Worten pra ninguém!!!
Caraças, como eu odeio aquele gajo!!

Anónimo disse...

"A aldeia estava em tumulto. Os foguetes estalam por todo o lado, os jovens sujam as ruas com fitas de papel e asneiras, a festa está a caminho do auge."

Estamos com problemas a decidir se a historia se passa no presente ou no passado.

kadgi disse...

hum, o objectivo era começar no passado, tipo "era uma vez". Depois passo para o presente, para facilitar a identificação. MAs ya, pergunto-me se pode ser feito ou n.... Hum....