sexta-feira, agosto 03, 2007

Pequenos prazeres ocultos aqueles que estão internados num hospital.

Vocês não sabem, mas eu digo-vos: estive quatro dias internada no hospital de Faro e três dias no Santa Maria. Como tal, tive bastante tempo para observar a flora, fauna e pequenos costumes desses seres que habitam o temeroso mundo dos hospitais portugueses.

Se pensam que vão para o hospital para descansar, estão muito enganados. Vão para ouvir gritos de noite, doentes deambulantes que não sabem muito bem para onde vão e tentam convencer a enfermeira que têm o tio Eufrâmio à espera lá em baixo, que é uma emergência e precisam mesmo de sair. Há também aqueles que fazem questão de vomitar no quarto, apesar de se poderem mexer e de a casa de banho ser a menos de cinco metros, obrigando as restantes pessoas a controlar a náusea a noite toda. E depois há aqueles que fazem questão de gritar noite e dia, esperando que por entre os "uis" e "ai Jesus/ meu Deus" a enfermeira se compadeça e lhes dispense uma dose extra de comprimidos para dormir, aliviando doentes e pessoal.

Num hospital não existe dinheiro. A economia baseia-se na troca directa, no contrabando de suminhos, bolachas, chocolates e, quiçá com alguma sorte, uma refeição com sal.
Partilham-se histórias e vivências, confessam-se mágoas e crimes, fazem-se promessas de contacto futuro. E tudo isto porque não há mais nada para fazer.

Num hospital há poucos prazeres. Estar o dia inteiro numa cama a olhar estupidamente para uma televisão não é especialmente interessante. Vai daí que decidi fazer uma lista dos pequenos prazeres a que não damos muito valor no dia a dia, mas que nos parecem pérolas assim que temos alta.

Aqui vai ela:

- coçar o nariz com as duas mãos.
- tapar sozinho a narina para inalar o medicamento da asma.
- cortar o bife.
- subir e descer da cama
- coçar o rabo, dar peidinhos e arrotar.
- ir a casa de banho sem se preocupar com o barulho ou com as possíveis infecções/vírus que podemos apanhar se nos sentarmos na sanita.
- dormir de noite.
- dormir de dia.
- lençóis sem cheiro a éter.
- comer comida com sabor.
- bater palmas.
- tomar banho com as duas mãos.
- despir e vestir a roupa sem ter que passar o boião do soro, do paracetamol e do antibiótico pelas mangas.
- deixar cair coisas ao chão e apanhá-las, sem esforço absolutamente nenhum.
- estar sozinho.
- não ter horários para estar com os amigos.
- silêncio.
- dobrar o cotovelo ou a mão sem dores.
- lavar a cabeça com as duas mãos, sem nos preocuparmos em molhar o braço ou ter dores.
- lavar os pés antes de ir para a cama.
- tirar macacos do nariz.
- dizer asneiras, praguejar ou dizer mal de alguém.
- ver alguma coisa na televisão que não seja telenovelas ou programas da manhã/tarde.
- dormir em qualquer posição, sem lençóis por cima, sem nos preocuparmos se temos as cuecas ou o soutien à mostra.
- dormir sem ter que pensar em todos os malucos que estão internados no nosso quarto e no quarto ao lado e no que lhes irá pela cabeça.
- não cheirar os peidos da velhota do lado.
- roer as unhas.
- falar alto.
- cantar.
- dar gargalhadas sem nos sentirmos culpados pelo mau estar das pessoas do lado.
- dizer piadas maliciosas, com a certeza de não ofender ninguém.
- não cheirar chichi todo o dia.
- fazer a depilação.
- sexo.
- sentir-se bonita, ou pelo menos apresentável.
- ter conversas privadas.
- não se sentir obrigada a estar com as pessoas.


Há muitas mais coisas que se poderiam inserir nesta lista, mas a minha avó chegou, estou cheia de fome e quero ir gozar a minha liberdade recentemente adquirida.

Um grande bem haja para todos!

4 comentários:

KrystalNight disse...

Lol excelente descrição. Eu não sou mt indicada para falar destes assuntos, visto que a visão que tenho dos hospitais passa um pouco pelo lado de lá e não pelo lado dos doentes, mas também já tive oportunidades preciosas e inesqueciveis, como disseste verdadeiras pérolas, de entrar no ambiente hospitalar.

Ora quando somos internados, temos de esperar com outros doentes, que tal como nós procuram fazer uma cara de nauseados, nem que seja para parecer que não estamos a fingir e não sermos recambiados para casa com um típico "isso não é nada", o que já me aconteceu e não é nada agradável. Não vá o diabo tece-las, mais vale parecer doente.

Se temos a sorte de passar pela enfermeira da triagem, que nos diz "ah não está assim tão mal", (pena que o ritmo cardíaco não seja regular, males menores né?), somos sentadinhos numa sala qualquer de aerossois, onde todos querem saber a nossa historia e nós movidos por algum sentimento de pertença e integração, queremos saber a história dos outros.

Lá contamos, "ai e tal tou com falta de ar e o coração disparado" e é claro toda a gente à nossa volta não somente tem exactamente o mesmo como ainda mais. Uns têm vómitos, náuseas, asma, alergias, levaram uma injecção que os pôs à beira da morte, ja andam assim à anos and so on...
Depois é a parte em que tentamos convencer a enfermeira da triagem e a médica que não é uma crise de ansiedade que dura há 5 horas e que o exame que fizemos naquele dia há já umas 12 horas obviamente não tem nda a ver, principalmente quando é escrito é o último e já sabemos que passámos. Náo, não foi do exame, foi há mais de 12 horas, o meu problema é mesmo não conseguir dormir, mas tudo isto em vão.
Depois dão-nos um valente ansiolítico, que a juntar ao facto de serem 8 da manhã e não ter dormido nada, obviamente terá de resultar, nem que seja pela valente moca que induz.
Descartamos as alterações no electrocardiograma... "ah isso não é nada, pode ser fisiológico!" 3 dias depois e ainda com o ataque de ansiedade (3 dias isto entra pro guiness) somos forçados a ir ao medico para descobrir que é uma virose e que se nos tivessem tirado sangue já saberiamos isso e escusavamos de passar por doidinhas descontroladas, que não conseguem respirar e vão chatear os pobres médicos.

Dia 22 de qualquer forma terei a oportunidade de voltar a este ambiente tão prazeroso e passar a noite no hospital! Obrigada Agrião, aguardo ansiosamente por esses momentos tão realizadores. Boas férias e as melhoras.

kadgi disse...

Wow, porque é que eu só sei estas coisas na minha visita quase semanal à net, menina àgria?
A minha experiência em hospitais é quase minima, a bronquite asmática só me lá levava quando eu era demasiado caganito pra perceber onde estava, e o porquê de tanto alarido à volta daquele velhote que teimava em correr pelos corredores todo nu com as cuecas na cabeça... (não quero falar sobre isso, meu caro psicoterapeuta).

Por isso resguardo-me a comentários... Dou-te as melhoras por telefone, bjocas

PS: lol Kristal, Grey's Anatomy gone wrong?

Joanne disse...

Agrião, és fantastica! A ultima vez que estive internada ainda era uma criança de pediatria, e podia jogar à bola nos corredores e fazer corridas de cadeira de rosas, assim como dormir num quarto sozinha. Mas comprendo muitos dos prazeres discriminados =P

hugo disse...

é pá os hospitais são lugares deprimentes, nunca tive internado num... Mas de facto são lugares muito ricos em histórias interessantes...